quinta-feira, 26 de março de 2009

A outra celebração de posse de Obama




Por: Mumia Abu-Jamal*
Para milhões de pessoas, tanto nos Estados Unidos como no estrangeiro, a posse de um negro como Presidente dos Estados Unidos foi um fato de transcendência histórica; um momento importante e significativo que fala de uma mudança real em uma nação que por um longo tempo lidava com sua história racista.
Isto ficou patente com a enorme caravana de pessoas que dirigiram-se a Washington para ser parte deste dia.
Mas para seis homens da Unidade Administrativa Especial, SMU (Special Manegement Unit), do cárcere de Camp hill, na Pensilvânia, este dia será recordado por razões bem diferentes.
Por que neste dia sofreram grandes golpes, descargas elétricas com pistolas para torturar, pisoteamentos, socos e outros maus tratos semelhantes, acompanhados por ladainhas de insultos racistas que os guardas brancos infligiram contra seis prisioneiros negros.
Segundo a Coalizão de Direitos Humanos (Human Right Coalition, HRC), os guardas e os agentes carcerários empreenderam estes ataques de forma calculada para coincidir com a posse de Obama, para deixar clara a mensagem: "À me...da com este dia ‘histórico’, todos vocês serão sempre niggers!" (nigger = insulto utilizado pelos americanos contra os negros, de caráter altamente pejorativo).

Numa ampla reportagem de seis páginas enviada aos meios de comunicação, o grupo Estamos Fartos!, pertencente à HRC, documenta os ataques e ameaças deste dia contra David Smith, Gary Tucker, Damont Hagan, Willie Robinson, Ronald Jackson e Jamar Perry. Alguns desses homens foram ameaçados de morte caso prestassem queixa das agressões sofridas na unidade prisional.
Foi dito que na manhã da posse, um guarda de alto escalão anunciou pelo sistema de alto-falantes: "Ele (referindo-se a Obama), pode ter ganho, mas pra mim ele segue sendo um nigger". E acrescentou: "Hoje não haverá banho nem tempo livre no pátio. Nós vamos mostrar para vocês quem manda nesta Unidade de Administração Especial".
Os prisioneiros foram algemados, seus rostos receberam borrifadas de pimenta picante, obrigados a tirarem a roupa, tudo isso como retaliação por sua ousadia de exercer seu direito constitucional de apresentar uma queixa por Direitos Civis em uma corte norte-americana... no mesmo dia em que Barack Obama estava prestando seu juramento e dizendo às multidões diante dele, à nação e a todo mundo que o assistia pela TV, que "nós não torturamos".
Mumia Abu-Jamal: É militante negro, jornalista, radialista e escritor. Conhecido como “A voz dos sem vozes”. Está injustamente preso e condenado a pena de morte pelo sistema judiciário racista norteamericado. Internacionalmente existe uma campanha exigindo a liberdade de Mumia.
Tradução do espanhol: Alexandre MagalhãesRevisão: Joelson Souza

quarta-feira, 11 de março de 2009

Música: Tenha Certeza dos Seus Dons e Qualidades


O homem liberto pede a sua terra/ o ser humano é a próxima descoberta/ etnias separadas por hipocrisia/ religião justificando a agonia/ convivendo em navios com ratos e lepras/ jogados ao mar para eliminar a carga extra/ a cana de açúcar, o garimpo de ouro/ poucos anos de média era a duração do nosso povo
Não odeie sua linda cor/ ame-se, supere-se todo medo e dor/ seja você mesmo seu libertador/ busque suas vitórias sem nenhum temor/ armas em punho, punhos cerrados/ retome todos seus valores arrancados/ nos desânimos ou nos triunfos/ oprimidos e Bandeira negra sempre juntos.


Tenha certeza dos seus dons e qualidades/inteligência, talento e capacidade/ libertando sua mente da opressão/cultura negra irmão, cultura negra irmão

Entre a pele marcada com ferro e sangue/ entre cabeças cortadas em favor da abolição/ estivador, capoeirista, amas de leite/não perderam a alma e nem o coração/resistência cultural, idéia de minoria/o povo negro construiu o cenário do dia a dia/exemplos que estiveram e estão aí/João Candido, Milton Santos, Dona Edi/ Do nagô ao banto em busca da exaltação/ Ioruba e o projeto de transformação/o estado brasileiro com medo da revolta/tentou embraquecer o povo, que derrota/não adiantou, não perdemos o espírito guerreiro/organizados em comboio, criamos um novo enredo/a elite brasileira não quer acordar/quando acordar já era/a negrada tomou seus lugares.


Tenha certeza dos seus dons e qualidades/inteligência, talento e capacidade/ libertando sua mente da opressão/cultura negra irmão, cultura negra irmão


Seja você mesmo um negro, uma negra/ tenha convicção das suas belezas/não aceite o rótulo de sub raça/ não se entregue em meio a desgraça/anunciada com o nosso seqüestro da África/cultura negra é predominante/ somos imitados em todo globo/quando eu for pro céu/quero ser negro de novo/tenha sempre a auto-estima elevada/saiba como a hora certa de usá-la/a favor da formação de aliados, cansados de serem chamados de pobre coitados/e precisamos estar juntos, lado a lado/podem tentar e com certeza será em vão/toda nossa desarticulação/estamos cientes do nosso valor


Tenha certeza dos seus dons e qualidades/inteligência, talento e capacidade/ libertando sua mente da opressão/cultura negra irmão, cultura negra irmão

sexta-feira, 6 de março de 2009

Feminismo de D. Mone Querbemvoar


A grande faceta do 8 de março consiste no reconhecimento e exaltação de todas as lutas e conquistas políticas, econômicas e comunitárias protagonizadas pelas mulheres no cenário internacional. Sua simbologia no calendário ratifica as inúmeras potencialidades desta categoria humana a qual o patriarcado racista, capitalista, confessional e lesbofóbico se empenha a invisibilizar.
Deste modo, “obsclarecem” as opressões destinadas às Rosas encarceradas na Penitenciária Feminina sofrendo o crime de racismo institucional expresso pelo abandono familiar, pela esterilização, hipertensão, diabetes, outrora, também manifestadas por meio de abusos sexuais e seletividade racial neste espaço onde negras e não-negras estão em condição de desigualdade haja vista que, segundo o Estado Penal, esta população não é “flor que se cheire”.
Esta ideologia colonialista e patriarcal é arrogante ao feminismo de mulheres que se parecem socialmente com Dona Joana, que acorda às 3h da manhã para vender na Feira de São Joaquim e, quando seu marido vem colocar banca, ela diz com honra: “comigo homem, você tem que mijar abaixado porque quem manda no meu barraco sou eu”.
A resistência feminina em oposição ao androcentrismo também está flagrada no momento em que a lágrima de Dona Amélia demora a cair ao refletir que neste seu momento de invalidez produtiva e de enfermidade irreversível, o tal marido descobriu que não era ela, a mulher que ele pediu a Deus. Em direção ao sagrado habitam também os pecados praticados pela Igreja e pelo seu guardião, o Estado Brasileiro, ao oportunizar que jovens pobres morram em conseqüência do aborto ilegal e desumanizado decorrente da negação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres brasileiras.
Não obstante, em outra geração, as lágrimas das mulheres de comunidades vulnerabilizadas se confundem com as chuvas trazidas pela mãe Yansã que, igualmente, chora seus filhos mortos pelos grupos de extermínio, assassinados pela polícia e pelas clínicas clandestinas que compactuam a mesma vontade cruel de interromper a vida das mulheres no aspecto subjetivo e físico como se estas estivessem geograficamente naquela fábrica da Triangle Shirtwaist em Nova York.
Contudo, na trincheira da resignação, as mulheres conquistaram seus votos na cidadania representativa; assumiram prazer e amor pela suas semelhantes; ensejaram políticas públicas focadas em gênero; clamaram a equiparação salarial e passaram ‘ânus’ de revista vexatória ao visitar seus companheiros aprisionados.
Em dias atuais as mulheres mantêm-se firmes e fortes trançadeiras de raiz, chefiando famílias, lavando as impurezas do mundo, no trabalho doméstico, na socialização de saberes e por último, na linha de frente da tecelagem por um modelo de relações sociais igualitárias e poderosamente revolucionárias.

Carla Akotirene é Assistente Social e integrante da Articulação Brasileira de Jovens Feministas

terça-feira, 3 de março de 2009