terça-feira, 26 de abril de 2011

Compartilhando Comida e Anti-autoritarismo mundialmente

Nascida em Cambridge (Massachussets) em 1980, nos Estados Unidos, o Comidas Sim Bombas Não (Food Not Bombs, em iglês) é a criação de Keith McHenry e sete outros ativistas. “Nós viemos do Clamshell Alliance”, disse McHenry, que estava “tentando fechar as portas da Central Nuclear Seabrook. Em sua maioria o grupo era composto por anarquistas, mas havia também Quakers e o Red Clams que era socialista”. 
Com raízes numa variedade de causas sociais, não é de se surpreender que McHenry descreva o projeto FNB como essencialmente “a asa alimentícia de um movimento que engloba música antiautoritária, arte, rádio livre, zines, okupas, troca de seringas, bicicleta e liberação da maconha, infoshops, redes de computadores, organização autônoma descentralizada não-hierárquica, decisões por consenso e o compartilhamento de uma filosofia de tolerância, prazer e liberdade de expressão”.
Fazendo uma ligação do problema dos sem-teto com a questão do catastrófico militarismo, o objetivo de McHenry é endereçar “a agenda inumana do governo a níveis pessoais e internacionais” como um caminho de se começar um debate a nível nacional. Ele trabalha visando este objetivo não somente com comprometimento e paixão, mas também com criatividade... freqüentemente diante da repressão policial massiva. Recentemente falei com McHenry.  
Mickey Z > Porque você acha que o FNB permaneceu ativo enquanto outros grupos radicais desapareceram?
Keith McHenry < Acho que o FNB está ativo até hoje porque podemos ver claramente os resultados; as pessoas se transformam quando vêem que podem coletar comida, compartilhar as refeições e os alimentos, e ao mesmo tempo ter um impacto direto sobre a vida das pessoas. Outro aspecto que promove a sua longevidade pode ser encontrado em nosso princípio de não ter nenhum líder, encorajando cada grupo a um próprio esforço de tomar decisões através do consenso. O/as voluntário/as não sentem que estão sendo obrigados a fazer alguma coisa e também não sentem que tem alguém no escritório sendo pago enquanto ele/as fazem o trabalho. Ele/as têm uma responsabilidade pessoal para fazer o FNB acontecer. Outra razão de estarmos continuamente crescendo após 30 anos é o fato dos problemas políticos, econômicos e ambientais, ao redor dos quais começamos a nos organizar, estarem ainda mais terríveis hoje do que estavam em 1980. Muito/as voluntário/as também sabem que organizando um FNB local ele/as podem apoiar uma grande variedade de ações e vêem nisto como sendo uma das ações mais positivas que podem tomar. Nosso modelo é muito simples, baseado em nossos três princípios e sete passos para se começar um grupo; então é fácil as pessoas se organizarem e verem os resultados imediatamente.  
MZ > Onde está o FNB hoje? E o que te deixa mais empolgado sobre isto?
KM < O FNB continua a crescer – grupos começando em novas comunidades, além das atividades aumentarem nas cidades que já tem o FNB. O movimento está florescendo nos países de língua inglesa, castelhana e russa, assim como também em outras regiões. As okupas do Casas Sim Prisões Não estão começando novamente nos Estados Unidos, e, com a crise da execução hipotecária, estamos começando a alcançar a população estadunidense em geral com o que uma vez era pensado como sendo idéias um tanto radicais sobre seus direitos à comida, moradia e outras necessidades. Muitos grupos também estão acrescentando em seus trabalhos os jardins comunitários do Comidas Sim Gramados Não, Mercado Realmente Grátis (Really Really Free Markets), Bicicletas Sim Bombas Não, e muitos outros projetos que desenvolvem com os grupos do FNB. Estamos também buscando por uma maior comunicação entre-grupos, visando a organização de dias, semanas e meses de ações globais. Estamos também bastante ocupados com o trabalho de descobrir informações sobre os métodos que estão sendo utilizados pela Intelligence Community para acabar com nosso trabalho.
MZ > A repressão policial parece não ter fim...
KM < Temos um processo federal pendente ao 11º Tribunal de Circuito de Apelações em Atlanta defendendo nosso direito de livre expressão que emergiu das prisões por compartilhar refeições veganas em Orlando, Flórida. O/as voluntário/as dos FNB por todo os Estados Unidos continuam a resistir contra as tentativas de acabar com suas refeições. Concord (Califórnia), Flagstaff (Arizona) e Ann Arbor (Michigan) foram as últimas cidades em que a polícia tentou por um fim às nossas refeições, propaganda e literatura. Nosso/as voluntário/as resistem em cada cidade e as autoridades cederam. Temos também um punhado de voluntário/as preso/as em Minsk (Bielorrússia) acusado/as de atacar com bombas incendiárias a embaixada russa, além de vário/as prisioneiro/as nos Estados Unidos com o/as quais estamos fazendo campanhas para libertá-lo/as.
MZ > Com o que mais você está passando a palavra adiante?
KM < Estou ocupado com um novo livro sobre o FNB chamado Cooking for Peace. Vendemos ao menos 8.000 cópias de nosso primeiro livro, Food Not Bombs, em setembro. Estou em turnê neste outono assando pão em um forno solar e dando palestras nas universidades. Cada vez mais cresce o número de pessoas procurando por assistência alimentícia e moradia, além de pessoas ansiosas para estarem envolvidas com o movimento. Mais do que nunca o FNB está sendo necessário, com o preço da comida e a fome crescendo, e mais e mais pessoas desempregadas e sem lugar para morar enquanto milhões estão sendo gastos com o militarismo.
MZ > Você realmente está na lista do Departamento de Estado dos Estados Unidos como uma das 100 pessoas mais perigosas? 
KH < Eu soube que estava registrado entre as 100 pessoas mais perigosas na lista do Departamento de Estado dos Estados Unidos através de diversos repórteres que ficaram chocados quando viram que eu estava distribuindo comida nas manifestações contra a Organização Mundial do Comércio em Cancun, 2003. Com certeza estou tendo muitos problemas que provavelmente estão sendo organizados pelas autoridades.  
MZ > Você estudou pintura muitos anos atrás na Universidade de Boston. O que você faz hoje para nutrir o teu lado criativo?
KM < Eu ainda continuo desenhando e pintando freqüentemente. Eu nunca saio sem o meu caderno e os materiais de desenho. Meus desenhos consistem basicamente de paisagens que faço no próprio local ou aquarelas sobre um futuro que estou lutando para criar. Uma destas pinturas está colocada na página inicial do website do FNB. Outro esforço criativo é a jardinagem; Eu nado quase todos os dias, e amo pedalar. Nos dois últimos anos, estou fazendo pão num forno solar. Estou também gostando muito de escrever o Cooking for Peace. 
MZ > Quais são os próximos planos, os teus e do FNB? Como os leitores podem aprender mais, se envolver?
KM < Uma vez terminado meu novo livro, pretendo passar mais tempo com as jardinagens e também me esforçar para viver no meu pequeno pedaço de terra em Taos, Novo México. No inverno ainda pretendo dar palestras em universidades e apoiar os grupos locais do FNB. Ultimamente tenho focado bastante no fortalecimento dos grupos de Washington D.C. pois descobri - quando estava fazendo pão solar no lado de fora da Casa Branca dois verões atrás - que podemos alcançar pessoas do mundo inteiro com nossas idéias e que há uma sub-cultura muito excitante que está crescendo cada vez mais.    
O FNB está planejando organizar um encontro em cada continente para discutir sobre a construção de uma rede mais forte e uma melhor coordenação e comunicação entre grupos. Estamos também preparando uma resposta ao contínuo colapso da economia, do sistema político e do meio ambiente. Os grupos estão iniciando novos jardins do Comidas Sim Gramados Não, organizando mais apresentações e protestos. Outros estão coletando alimentos não-perecíveis e suprimentos para complementar a comida que já coletaram. Outros grupos estão fornecendo refeições em ações contra a mineração, desflorestamento, abuso dos direitos civis de imigrantes, ciganos, sem terras e povos indígenas. Estamos também participando em manifestações contra o Banco Mundial, acordos comerciais e outras formas de exploração econômica. Grupos locais também estão ativamente apoiando os esforços para por um fim à crueldade contra os animais e estão trabalhando para diminuir as causas da mudança climática. E em nossa lista de problemas as seguintes tarefas podem ser encontradas: acabar com a produção industrial de animais e o controle da Monsanto sobre nossa comida e os efeitos danosos de suas sementes geneticamente projetadas. E o FNB continua com sua luta para acabar com as guerras, que desperdiçam os nossos recursos com o militarismo.          
Você está convidado para ajudar. Precisamos de todo/as o/as voluntário/as possíveis. Você pode se juntar a um grupo ativo ou se você verificar que não estamos presente em sua comunidade você pode começar um grupo local do FNB.  Visite nosso site e procure seu grupo local. Você também pode clicar sobre o “Começar um FNB” e baixar os folhetos e outras informações. Mande um e-mail para nós no menu@foodnotbombs.net caso você tenha alguma dúvida. Nós também ficaríamos felizes de falar com você. Ligue para nós no 1-800-884-1136. Você pode fazer doações para o FNB através do programa Dollar for Peace.
Mais infos:
Tradução > Marcelo Yokoi

domingo, 24 de abril de 2011

Greves operárias nos canteiros das usinas do Pac no Rio Madeira, Pecém, Suape e São Domingos

Hugo R C Souza e Mário Lúcio de Paula   

80 mil operários se rebelam contra escravidão nas obras do PAC

"Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem". A célebre frase do poeta e teatrólogo revolucionário alemão Bertolt Brecht descreve com exatidão o quadro atual das revoltas operárias nas obras de construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, Rondônia; na usina de São Domingos, no Mato Grosso do Sul;  na termelétrica de Pecém, no Ceará, e no complexo industrial petroquímico de Suape, em Pernambuco.

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Revolta em Jirau: operários incendeiam instalações da empreiteira Camargo Corrêa
Numa terça-feira, dia 15 de março, explodiu uma revolta operária no gigantesco canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau, onde se concentram aproximadamente 22 mil trabalhadores. O monopólio das comunicações vendeu a notícia de que a revolta em Jirau começou com uma briga entre operários e motoristas de ônibus. Os fatos e denúncias que se seguiram desmontraram a patranha e revelam a existência de verdadeiros cativeiros de operários submetidos a condições desumanas de trabalho.
As obras da usina hidrelétrica Jirau estão situadas a cerca de 150 km da capital de Rondônia, Porto Velho. Segundo denúncias de trabalhadores e moradores da região, para lá se dirigem milhares de operários arregimentados por aliciadores conhecidos como "gatos", recrutados em vários estados, principalmente no Nordeste, atraídos pelas promessas de bons salários e de excelentes condições de vida e de trabalho. Chegando lá, eles são postos em alojamentos precários, submetidos a todo tipo de humilhações nos canteiros de obras, havendo inclusive denúncias de castigos físicos, péssima alimentação, jornada de trabalho extenuante, regime de "barracão", entre outras arbitrariedades. As obras da usina hidrelétrica de Jirau são realizadas pelo chamado Consórcio Energia Sustentável do Brasil, composto por Suez Energy, Camargo Correa Investimentos, Eletrosul Centrais Elétricas e Companhia Hidro Elétrica do São Francisco.
Após meses de desrespeito, humilhações e agressões, os operários desataram um grande protesto. Mais de 40 ônibus foram queimados, bem como armazéns e alojamentos. A força nacional de segurança foi enviada pelo gerenciamento semicolonial para reprimir o protesto.

Cativeiros de operários

Em 23 de março, o jornalista Leonardo Sakamoto publicou em seu blog na internet blogdosakamoto.uol.com.br:
"Conversei com jornalistas que foram cobrir a situação causada pelos protestos no canteiro de obras da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Quase todos foram com uma pauta sobre vandalismo, mas voltaram com um número maior de matérias tratando de graves problemas trabalhistas e de sério desrespeito aos direitos fundamentais.
Mesmo passando o necessário filtro nos rumores e boatos que correm de um lado para o outro nessas horas quentes, ainda assim o que sobra já dá para arrepiar o cabelo.
Denúncias de maus tratos, condições degradantes, violência física. Coisas que acionistas de grandes empresas não gostam de ver exposto por aí e, por isso, são repetidas vezes negadas pelos serviços de relações públicas ao longo de anos.
O que aconteceu em Jirau tem um mérito: escancarou a caixa preta das grandes obras ligadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), trazendo à tona o que vem sendo alardeado há tempos por movimentos sociais e organizações da sociedade civil: que esses canteiros se tornaram máquinas de moer gente — noves fora os impactos ambientais e nas populações locais.
E olha que não estou nem recorrendo à minha cantilena e falando do caso de trabalho escravo em Jirau em 2009, quando 38 pessoas aliciadas no Maranhão foram resgatados enquanto trabalhavam para a Construtora BS, que prestava serviço ao consórcio responsável pela construção da usina. Mas sim de um processo estrutural causado pela pressa em terminar e gerar energia, pelos cortes de gastos e pela necessidade de manter a lucratividade do empreendimento."
Sakamoto ainda repercute denúncias de relações semifeudais de exploração nos canteiros de Jirau:
"Não estou querendo justificar a destruição da farmácia que atendia os trabalhadores, por exemplo. Mas é impossível entender todo o contexto se não for explicado que a dita atuava praticamente em um esquema de "barracão", fazendo com que trabalhadores contraíssem dívidas ilegais. Jornalismo tem que tratar de causas e consequências."

Revoltas operárias

No dia 11 de fevereiro, pelas mesmas razões que levaram à revolta dos operários de Jirau, explodiu em Pernambuco, nas obras da refinaria Abreu e Lima, no complexo industrial petroquímico de Suape, uma grande rebelião dos operários, que foi brutalmente reprimida e resultou na morte de um operário, ficando outro gravemente ferido por tiros disparados, segundo denúncias, por um dos seguranças do sindicato oportunista "dos trabalhadores". No dia 18 de março, os operários da Abreu e Lima deflagraram uma greve que já dura duas semanas. Eles exigem o pagamento de 100% das horas extras, reajuste do vale-alimentação, entre outras reivindicações. A paralisação das obras no complexo de Suape, onde também opera a Odebrecht, envolvem 34 mil operários e se estende até a data do fechamento desta edição de AND.
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Operários tratados como bandidos sob a mira da Força Nacional de Segurança
No dia 18 de março, 16 mil operários das obras da hidrelétrica Santo Antônio, no estado de Rondônia e nas mesmas águas do Rio Madeira, também deflagraram greve. As obras são realizadas pelo Consórcio Construtor Santo Antônio, composto pelas empreiteiras Andrade Gutierrez e Construtora Norberto Odebrecht. De acordo a publicação Valor Econômico de 23 de março, "o sindicato dos trabalhadores da construção civil, que opera sob uma espécie de intervenção branca de dirigentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), improvisou uma assembleia no pátio de Santo Antônio e decidiu, em acordo com a Odebrecht, esvaziar as dependências da usina". Os operários reivindicam reajustes de até 35%, maior participação nos lucros, alterações nos planos de saúde, revisão de descontos indevidos e o pagamento das horas-extras, além da redução dos preços nas lanchonetes privadas do canteiro.
Na sequência dessas lutas, os trabalhadores da Usina Termelétrica de Pecém, no Ceará, entraram em greve exigindo melhores condições de trabalho. Mais de dois mil trabalhadores dessas obras, oriundos do interior, foram transferidos para as obras no litoral e também exigem o direito de visitar periodicamente os familiares. Apesar de o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região ter declarado a greve ilegal, os trabalhadores mantiveram os piquetes e as mobilizações.
No dia 24 de março, os trabalhadores da usina de São Domingos, localizada entre os municípios de Ribas do Rio Pardo e Água Clara, a 250 km de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, revoltados com as péssimas condições de trabalho deflagraram um combativo protesto após um operário ser agredido por um segurança das obras. O consórcio responsável pelas obras de São Domingos é formado pelas empresas Engevix e Galvão. Há semanas os trabalhadores denunciavam o não pagamento das horas-extras e as péssimas condições dos alojamentos. Durante a revolta dos cerca de mil trabalhadores, parte dos alojamentos e instalações da usina foram incendiados. Oitenta operários foram presos durante os protestos e cinco contiuavam detidos até o fechamento dessa edição de AND.
Todas essas grandes obras fazem parte do decantado Programa de Aceleração do Crescimento — PAC, utilizado como grande trunfo na campanha petista para a eleição de Roussef. As construções são tocadas por grandes empreiteiras como a Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, entre outras. Esses grupos e empreiteiras foram os principais financiadores da campanha eleitoral de Roussef e Serra e todas receberam vultosos recursos federais nos últimos anos para a execução de obras. Todos também contaram com recursos bilionários do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social — BNDES. Juntas, as obras de Jirau e Santo Antônio receberam mais de R$ 13 bilhões do banco e, ainda assim, descumprem a legislação trabalhista e mantém as condições subumanas de trabalho denunciadas pelos trabalhadores em seus canteiros de obras.
Segundo a Agência Estado, até o dia 23 de março, "cerca de 80 mil trabalhadores da construção civil estavam em greve nas obras de construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio e nos complexos portuários de Suape (PE) e Pecém (CE)".

Estado de sítio

No dia 18 de março, o Ministério da Justiça publicou uma portaria no Diário Oficial da União autorizando o emprego da Força Nacional de Segurança Pública "em caráter episódico e planejado" para reprimir a luta dos operários de Jirau. As forças de repressão foram enviadas para Rondônia para ficarem durante 30 dias, "prorrogáveis se necessário".
No dia 22 de março, estudantes da Universidade Federal de Rondônia — UNIR, foram até as obras da usina de Santo Antônio prestar solidariedade aos operários em greve. Eles distribuíam um panfleto de apoio à luta quando foram abordados por "capangas vinculados ao consórcio construtor Santo Antônio" que tentaram expulsá-los do local. [fonte: nota do Centro Acadêmico de Ciências Sociais da Unir publicada em  rondoniaaovivo.com em 22 de março de 2010]
De acordo com a denúncia veiculada pelo Centro Acadêmico de Ciências Sociais da UNIR, os capangas teriam agredido verbalmente os estudantes, feito provocações e os agredido fisicamente, provocando escoriações e um hematoma na cabeça de um deles.
Enquanto esses fatos ocorriam, centenas de operários da usina de Jirau foram transferidos pela construtora Camargo Corrêa para um alojamento precário, cercado pelas forças nacionais de repressão.
O jornal Estado de S. Paulo, porta-voz da grande burguesia esclarecida, não defendeu os operários, longe disso, mas mesmo ele demonstrou maior interesse pelo assunto que os dirigentes cutistas. Em 22 de março o portal estadao.com.br publicou:
"Enquanto mais de 300 trabalhadores das obras da usina de Jirau ainda se amontoavam em alojamentos precários, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) discutia, na manhã de ontem, em um hotel de Porto Velho, o espaço político no governo e o comando sindical dos canteiros das margens do Rio Madeira.
A conversa do tesoureiro da CUT, Vagner Freitas, e sindicalistas locais parecia diálogo de empresários e representantes do Planalto. Em 30 minutos de conversa ouvida pela equipe do Estado, Freitas não citou a situação dos trabalhadores."
Outro braço do monopólio da imprensa, a Folha de S. Paulo de 21 de março,  publicou uma série de denúncias de operários das obras de Jirau. Eles protestavam e diziam estar sendo tratados como bandidos pelas forças policiais.
"Sem se identificar, um trabalhador de Ipatinga (MG), 49, queixou-se da quantidade de policiais fortemente armados que fazia a vigilância dos abrigos. Para ele, os policiais estavam ali para proteger a cidade e não os trabalhadores."
A Camargo Corrêa fretou ônibus e vôos em uma verdadeira operação de deportação dos operários desalojados da usina de Jirau. Em uma tentativa frustrada de embarque de 150 trabalhadores para Belém — PA, em 20 de março, os trabalhadores ficaram, tal qual prisioneiros, sob as miras das armas da Força Nacional de Segurança.
"É a maior humilhação que já sofri na vida. Veja quantos policiais. Todos no aeroporto nos olhando como se fôssemos bandidos. E a única coisa que eu quero é ir embora", diz um trabalhador de 35 anos, oriundo de Tucuruí (PA).  [folha.com de 21 de março de 2010]

Obras do PAC: Canteiros de morte

Um levantamento recente realizado em 21 grandes obras que somam R$ 105,6 bilhões de investimentos, revelou 40 mortes de operários desde 2008. Seis dessas mortes apenas nas usinas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia.

O levantamento engloba desde grandes obras como hidrelétricas até as obras do programa "Minha Casa, Minha Vida".

O jornal Luta Classista de fevereiro de 2011, disponível em lutaclassista.wordpress.com, já apontava que:

"A atual expansão do setor da construção vem acompanhada de um aumento inaceitável de "acidentes" e de péssimas condições de trabalho. Em 2008, foram 49 mil acidentes no setor, 70% maior que o registrado em 2004 segundo os dados da Previdência Social. Os números relativos aos anos de 2009 e 2010 ainda não estão disponíveis, mas levantamentos feitos pelos sindicatos e as notificações do Ministério do Trabalho indicam que os acidentes aumentaram de forma muito grave. Esses acidentes crescem à medida que aumenta a precarização das condições de trabalho e as contratações no setor.

A construção lidera a maior taxa de mortalidade dentre todos setores econômicos do Brasil. A totalidade desses acidentes é consequência direta do sistema de exploração e precarização do trabalho operário. A falta de equipamentos de proteção e segurança coletiva e individual, ausência de treinamentos adequados e de alimentação, são algumas das principais causas. A competição acirrada entre as construtoras e a pressão pelo cumprimento dos apertados cronogramas, além dos baixos salários, obrigam os operários a fazerem horas extras e cumprirem excessivas, exaustivas e perigosas jornadas de trabalho. Os operários são tratados como meros objetos descartáveis."

Concílio pró patronal
          
No dia 29 de março o gerenciamento semicolonical convocou, a toque de caixa, uma reunião com as centrais sindicais chapa-branca para atacar a luta dos operários nas obras do PAC.
A reunião, presidida pelo ministro Gilberto Carvalho, definiu pela criação de uma comissão composta por patrões e "trabalhadores" para "gerenciar a crise nos canteiros de obras". Participaram da seção de conciliação de classe: a Central Única dos Trabalhadores — CUT; Força Sindical; Central Geral dos Trabalhadores do Brasil — CGTB; Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil — CTB; União Geral dos Trabalhadores — UGT; Nova Central Sindical de Trabalhadores — NCST; e Coordenação Nacional de Lutas — Conlutas.
Entre os insultos contra a classe operária proferidos no citado encontro estão declarações como a do presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada — Sinicon, Luiz Fernando Santos Reis, que sem franzir um músculo da face "assegurou que existem parâmetros de qualidade nas obras, que oferecem segurança e cursos profissionalizantes" e ainda garantiu que "não existe atividade mais fiscalizada no país do que a construção pesada." [www.secretariageral.gov.br]
O diretor de Comunicação da Camargo Corrêa, Marcello D'Angelo, afirmou categoricamente que "a infraestrutura do canteiro de obras de Jirau se destaca pela qualidade dos alojamentos, separados em alas femininas e masculinas, com ar condicionado, banheiros e refeitório". [www.secretariageral.gov.br]
Abrindo o coro patronal, dias antes, Vagner Freitas, tesoureiro da CUT já havia dito, entre outras declarações, que os operários "têm que voltar a trabalhar. Eu sou brasileiro, quero ver essa usina funcionando", disse. Em seguida, usou um discurso típico do governo: "O Brasil precisa de energia limpa. A obra da usina precisa voltar a funcionar, porque a sociedade está sendo prejudicada". Na mesma ocasião "ele orientou os colegas do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil (Sticcero) a continuar a briga na Justiça para garantir a representatividade dos operários dos canteiros de Jirau e de Santo Antônio. O Sticcero é acusado de 'peleguismo' pelos trabalhadores. 'Se a Camargo (Corrêa) quer conversar com vocês em São Paulo, não tem problema. A gente pode ajudar nas negociações por cima.'"

[fonte: www.estadão.com.br em 22 de março de 2010]

sábado, 23 de abril de 2011

Pescadores sofrem com tragédia ambiental no Golfo do México

Batalha de pescadores do Golfo do México segue contra efeitos de vazamento de óleo de plataforma da British Petroleum. Na primeira reunião de acionistas da BP depois do vazamento do ano passado, ativistas, pescadores e ambientalistas protestam contra a falta de ação e auxílio da gigante britânica. “Nossas regiões de pesca estão esvaziadas, nossas ostras estão mortas e nós não estamos recebendo os fundos necessários para nosso sustento. Pela primeira vez na vida eu vejo pescadores terem que tomar pílula para dormir”, diz pesquisador de Lousiana (EUA).

Os quase 5 milhões de barris de petróleo que se espalharam pelo Golfo do México no ano passado em decorrência da explosão em uma plataforma da gigante petrolífera britânica BP podem ter saído das pautas dos jornais, mas não das vidas das pessoas afetadas. Na quinta-feira última, menos de uma semana antes do primeiro aniversário do início do vazamento na plataforma Deepwater Horizon, ativistas aproveitaram a primeira reunião de acionistas da BP em Londres desde o acidente para verbalizar suas angústias e cobrar ações mais rápidas e profundas da companhia.

“Alguns dos nossos pescadores não tiveram mais nenhuma receita desde derramamento de petróleo”, justificou Byron Encalade, da associação dos produtores de ostras de Louisiana, que viajou para a Inglaterra especialmente para o evento. “Nossas regiões de pesca estão esvaziadas, nossas ostras estão mortas e nós não estamos recebendo os fundos necessários para nosso sustento”, afirmou o pescador norte-americano. “Pela primeira vez na vida eu vejo pescadores terem que tomar pílula para dormir”.

Alguns ativistas chegaram a adquirir ações da empresa para tentar obter acesso à reunião e poder se manifestar, mas foi do lado de fora, fazendo barulho com instrumentos de percussão e sopro, carregando cartazes e faixas, que ganharam as páginas dos jornais e minutos nos noticiários noturnos.

“Eu vim lá da região da Costa do Golfo. Minha comunidade se foi e não me deixam entrar [na reunião]”, disse Diane Wilson, uma ativista que tentou acessar a sala onde acionistas ouviam da empresa os números do ano passado, quando aproximadamente 25% do valor de mercado da BP se perdeu devido ao acidente. Apesar de ter ações da empresa, o acesso lhe foi negado sob alegação de que ela – parte da quarta geração de uma família de pescadores – poderia representar um risco para os outros acionistas. Para chamar a atenção dos fotógrafos, ela espalhou pelo rosto e nas mãos um líquido preto e viscoso, como se fosse petróleo. “É a única linguagem que eles entendem”. No ano passado, ela já havia feito um movimento semelhante, na mesma sala em que o então presidente da BP testemunhava a uma comissão do Congresso dos EUA.

Entre as pessoas que conseguiram acessar a reunião, um grupo de dez ambientalistas canadenses, cada um vestindo uma camiseta com uma letra diferente e que juntas formariam a frase “no tar sands”, uma referência à exploração de petróleo nas areias betuminosas canadenses. Espalhados em locais diferentes da sala, eles planejavam levantar-se, formar uma fila e revelar o conteúdo das camisetas de modo que a mensagem fosse passada aos acionistas. A ação de seguranças porém impediu o movimento e eles foram retirados da sala antes que pudessem completar a ação.

Um fundo de 20 bilhões de dólares foi criado pela empresa para compensar os atingidos pelo vazamento de petróleo. Uma reportagem do The Independent publicada neste sábado revela que mais de meio milhão de pedidos de compensação já chegaram ao escritório que gerencia esse fundo nos EUA.

“Temos visto dinheiro indo a todos os lugares, menos para as comunidades no centro disso tudo. E nós somos essas comunidades, os primeiros a ficar sem trabalho e seremos os últimos a ter de volta os nossos trabalhos e sustentos”, criticou Encalade.

“ Queremos ter a certeza de que o petróleo, que ainda está no fundo do oceano, e os químicos dispersantes, que ainda estão na água, não serão esquecidos”, disse Antonia Juhasz, diretora do programa de energia do Global Exchange e autora do livro “Black Tide: The Devastating Impact of the Gulf Oil Spill”. “Essa é uma história que deve servir de alerta para outros investimentos da BP, como as areias betuminosas. Isso é o que acontece quando uma empresa de petróleo opera irresponsavelmente em um meio tecnicamente complicado e ecologicamente sensível”.

O vazamento do Golfo do México no ano passado durou quase três meses e foi o maior da história da indústria.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Rio ultrapassa 7 mil casos de trabalho escravo em uma década

Data: 20/12/2010 / Fonte: Agência Brasil

Rio de Janeiro - Mais de 7 mil casos de trabalhadores em condições análogas à escravidão foram registrados no estado do Rio de Janeiro nos últimos dez anos. A maior parte estava no município de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, onde se concentra a lavoura canavieira. Os dados fazem parte de um estudo apresentado hoje (14), durante a 1ª Conferência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo no Estado do Rio de Janeiro.

De acordo com a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, só em 2009 e 2010 foram libertados cerca de mil trabalhadores. Para combater o problema, o subsecretário estadual de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Pedro Strozemberg, anunciou a criação da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae), reunindo várias instâncias e níveis de governo e membros da sociedade civil. "Esse é um tema que as políticas de direitos humanos, no Brasil como um todo, ainda não conseguiram resolver. O Rio de Janeiro tem um quadro grave de trabalhadores em situação análoga ao trabalho escravo, principalmente na região norte fluminense, que é mais rural", disse Strozemberg.

O estudo foi executado pelo Grupo de Pesquisa do Trabalho Escravo Contemporâneo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com a coordenação do professor Ricardo Rezende Figueira. Segundo os dados, de 2000 a 2010 foram registrados 7.398 casos de trabalhadores em regime de escravidão no estado. O campeão disparado foi o município de Campos, com 5.495 casos, 74% do total, seguido por Cabo Frio, com 1.011 casos (13%) e pelo Rio de Janeiro, com 370 casos (5%).

Strozemberg culpou a baixa fiscalização dos órgãos públicos pelos altos índices na região norte fluminense, mas assinalou que o Ministério Público do Trabalho vem aumentando o volume de operações, principalmente nos últimos dois anos, contando com a colaboração de organizações da sociedade civil. Para ser considerado como trabalho escravo, Strozemberg explicou que é preciso ter algumas características. "É um trabalhador que tem o seu vínculo estabelecido por conta de dívidas contraídas na atividade laboral e na sua manutenção. O trabalhador é obrigado a consumir e gera dívidas maiores que sua remuneração", disse o subsecretário.

Outra característica comum é a retenção dos documentos do funcionário pela empresa, que não registra o trabalhador legalmente, o que só é feito quando há um flagrante pelos órgãos competentes.

domingo, 17 de abril de 2011

Tunísia opta pela paridade nas suas primeiras eleições

A revolução tunisina prossegue: foi decidido que as listas às primeiras eleições democráticas desde a independência, há 55 anos atrás, terão de respeitar a paridade entre mulheres e homens. Não só as listas de candidatos contarão com o mesmo número de mulheres e homens como serão compostas alternando entre os dois sexos. Se as listas apresentadas não cumprirem os requisitos paritários serão consideradas inválidas. Assim, a Assembleia Constituinte que redigirá a nova Constituição contará com uma elevada participação feminina. As eleições estão marcadas para o dia 24 de Julho.

Segundo adiantou o jornal El País, não só as listas de candidatos contarão com o mesmo número de mulheres e homens como serão compostas alternando entre os dois sexos. Se as listas apresentadas não cumprirem os requisitos paritários serão consideradas inválidas.

Desde modo, a Assembleia Constituinte que terá em mãos a redação da nova Constituição, contará com uma elevada participação feminina. As eleições estão marcadas para o dia 24 de Julho.

A imposição da paridade na composição das listas eleitorais foi decidida quase por unanimidade pela Alta Instância para a Realização dos Objetivos da Revolução, um órgão com 155 membros que representa a diversidade da organizações políticas tunisinas, desde os islamitas de En Nahda (Renascimento) ao Partido Comunistas dos Trabalhadores Tunisinos. Este órgão tem funcionado como uma espécie de parlamento interino.

Esta instituição terminou assim, na madrugada de terça-feira, a elaboração da Lei Eleitoral, que adquirirá a forma de um decreto-lei - uma vez que o parlamento foi dissolvido e não pode aprovar leis – que será promulgado pelo presidente interino Fuad Mebaza.

Após a aprovação da medida que estabelece a paridade entre sexos nas listas eleitorais, os membros da Alta Instância, incluindo os islamitas de En Nahda, levantaram-se e aplaudiram a decisão, assinalando o momento histórico.

"É uma decisão histórica, sem precedentes, a que tomamos, e espero que venha a servir de exemplo para muitos outros", disse, orgulhoso, o magistrado Mokhtar Yahyaoui, censurado pela ditadura de Ben Ali e agora um membro da Alta Instância, em declarações ao El País.

"As mulheres entrarão em grande número na Assembleia Constituinte, contudo, não ocuparão metade da câmara pois a maioria dos candidatos principais nos círculos eleitorais continuarão a ser homens", disse Yahyaoui.

Com a exceção do Líbano, a Tunísia é o país árabe onde as mulheres gozam da melhor situação jurídica, desde que, em 1957, se aprovou o chamado estatuto pessoal que proíbe, por exemplo, a poligamia e o repúdio dentro do casamento. A lei eleitoral da ditadura já reservava 25 por cento dos lugares das listas para as mulheres.

Após uma morosa discussão, a Alta Instância aprovou por maioria proibir a candidatura às eleições de Julho de todos aqueles que ocuparam cargos nos governos da ditadura do deposto presidente Ben Ali (1987 - 2011) e no que foi o partido dominante, o Reagrupamento Constitucional Democrático (RCD), agora dissolvido.

A Alta Instância aprovou ainda um sistema eleitoral proporcional que favorece as minorias. Na Tunísia há cerca de 90 partidos legais.


Fotos: A imposição da paridade na composição das listas eleitorais foi decidida quase por unanimidade pela Alta Instância para a Realização dos Objectivos da Revolução.

sábado, 16 de abril de 2011

Cortina de Fumaça


Um outro olhar sobre a questão das drogas!!!












quarta-feira, 13 de abril de 2011

Seminário debate inclusão de minorias na política global


Promovido pelo Ibase, Seminário Incluindo os Excluídos na Política Global do programa Building Global Democracy (BGD) é realizado, no Rio de Janeiro, entre hoje e sexta-feira. Economia no mundo islâmico, castas na Índia, povos sem Estado e micro-Estados no Pacífico estão na pauta do evento. Pesquisadores debatem como construir uma democracia global, com a inclusão de agricultores sem-terra, mulheres afro-descendentes, pobres urbanos e outras minorias.
O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) organiza entre hoje, 13 de abril, e sexta-feira, 15 de abril, no Rio de Janeiro, o seminário internacional Incluindo os Excluídos na Política Global. O evento é uma iniciativa do programa Building Global Democracy (BGD), do qual o Ibase faz parte do comitê coordenador ao lado de representantes do meio acadêmico, sociedade civil e governos de vários países. O workshop reune vinte participantes de dez regiões do mundo, inclusive do Brasil, entre ativistas, lideranças sociais e pesquisadores.

O objetivo central do fórum é debater como os excluídos podem participar e influenciar na governança global. São dez painéis com apresentações de estudos de caso, seguidos de debate entre os participantes. As discussões abrangem pontos como a situação de agricultores sem-terra e da população pobre urbana mundial, orientações sexuais minoritárias, mulheres afro-descendentes e povos indígenas. As apresentações ainda tratam da inclusão de dalits (casta considerada inferior na Índia) e dos micros-Estados das ilhas do Pacífico, além da atual conjuntura sociopolítica e financeira dos países islâmicos frente à economia mundial, dentre outros temas.

Hoje, cidadãos são marginalizados em todo o planeta devido a problemas históricos de ordens sociais e geográficas. A ideia do seminário Incluindo os Excluídos na Política Global é encontrar formas criativas para a geração de oportunidades iguais de influência e participação nas políticas e fatos globais, eliminando injustiças em todos os continentes.

A cidade do Rio de Janeiro foi escolhida para receber a primeira edição do evento Incluindo os Excluídos na Política Global, que corresponde a um dos cinco eixos de atividade do programa BGD. Os outros quatro eixos, também divulgados mundialmente na forma de seminários, são Conceitualização da Democracia Global, Aprendizagem da Cidadania para a Democracia Global, Redistribuição Estrutural para a Democracia Global, Construções Interculturais da Democracia Global.

Sobre o programa internacional Building Global Democracy (BGD):
O programa Building Global Democracy (BGD) é uma iniciativa internacional, lançada em 2008 com o objetivo de encontrar soluções para problemáticas da democracia global, através da elaboração e da prática de diretrizes orientadas pelo lema “governo pelo povo e para o povo”.

O foco das ações está na construção de uma participação pública no gerenciamento e controle dos desafios enfrentados perante às inadequações da atual condução dos assuntos globais, no que diz respeito à democracia.

Por meio de seminários, já realizados em países como Egito (em 2009) e Índia (em 2010), o Building Global Democracy (BGD) divulga seus cinco principais projetos, que abrangem os eixos: Conceitualização da Democracia Global, Aprendizagem da Cidadania para a Democracia Global, Redistribuição Estrutural para a Democracia Global, Construções Interculturais da Democracia Global, Inclusão dos Excluídos na Elaboração de Políticas Globais.

O BGD é coordenado por um conselho deliberativo composto por dez membros de dez regiões do mundo. Tem como membros pesquisadores, ativistas da sociedade civil, empreendedores, jornalistas, autoridades e jovens de vários países, etnias e culturas.

Com sede administrativa no Centro para o Estudo da Globalização e Regionalização da Universidade de Warwick, na Inglaterra, o programa atua interconectando trabalho intelectual e luta política. O BGD mantém um website informativo sobre suas ações e estudos e ainda produz uma série de publicações, traduzidas para sete línguas, com distribuição em todo o mundo.

domingo, 10 de abril de 2011

Manifestação antifascista em Lyon reúne cerca de 2000 pessoas

Aos gritos de "nenhum racista na rua, nenhum fascista na rua", "são racistas, são fascistas, são sexistas. Fora de nossa cidade", “esmagar os fascistas”, "alerta, alerta antifascista", "olelê, olalá, Lyon é antifascista", entre outros, cerca de 2000 pessoas se reuniram neste sábado (9 de abril) em Lyon, em protesto contra a extrema-direita, o fascismo e o recrudescimento da violência nazi.
Partindo da Praça Bellecour por volta das 14h30, e percorrendo várias ruas do centro de Lyon, os manifestantes marcharam sob um sol forte com um carro de som, faixas, agitando bandeiras, cartazes e gritando palavras de ordem. Um forte contingente de policiais acompanhou a passeata. Não houve prisões nem incidentes.
Lyon é uma das cidades francesas onde a ascensão de grupos neonazistas é mais visível. Nos últimos dois anos têm visto um aumento nas agressões e atos nazistas na cidade. Os neonazistas da organização Blood & Honour abriram no município um local, através do grupo Bunker Korps Lyon e a associação Lyon Dissidente, onde organizam eventos e shows regularmente com total impunidade.
Nos últimos dois anos os neonazistas perpetraram dezenas de agressões na cidade, algumas com gravidade. A última violência ocorreu na quarta-feira (6 de abril), neste caso, três nazistas atacaram com bastões de madeira, pistolas de balas de borracha e gás lacrimogêneo vários ativistas que estavam distribuindo panfletos em um instituto escolar para a manifestação deste sábado.
A presença nazista na cidade conta, de alguma forma, com a cumplicidade das autoridades e dos meios de comunicação da cidade, que se esforçam em retratar o problema simplesmente como uma questão de gangues.
Além disso, os grupos neonazistas se aproveitam da atual crise e aumento das idéias e partidos de extrema-direita para agir.
Uma pesquisa recente de opinião surpreendeu a França ao indicar que a líder da extrema direita Marine Le Pen, filha do anterior líder da Frente Nacionalista, Jean-Marie Le Pen, apareceu na frente de todos os demais candidatos no pleito previsto para o ano que vem. Marine, 42 anos, lidera a Frente Nacional desde janeiro e aparece como sucessora de seu pai.
 
 

sábado, 9 de abril de 2011

Hermano Vianna - O mistério do rap



El Général não deve ser confundido com El General. Repare os acentos do primeiro nome: são
detalhes que fazem toda a diferença e nos transportam do Panamá para a Tunísia, no ritmo de uma batida perfeita e globalizada. El General, sem acento, pronuncia-se com sonoridade castelhana: o “g” tem quase som de “rr” em português ou de “h” em árabe, emitido com a garganta. El Général é pronunciado seguindo as regras fonéticas francesas, com sotaque do norte da África. Apesar das diferenças, os dois são nomes artísticos. El General nasceu como Edgardo Franco, e é considerado um dos pais do “reggae en español”. El Général foi registrado como Hamada Ben Amor, e ficou conhecido agora no início de 2011 como criador do rap que virou hino das manifestações de rua que estão mudando vários regimes políticos do mundo árabe.

El General, sem acentos, causou grande impacto quando surgiu, no início dos anos 90, com sua música galhofeira, que parecia ter como objetivo único sacudir os popozões em hits como “Ta pum pum” ou “Rica y apretadita”. Segurando as pontas da diversão libidinal, sua sonoridade de mestre mixava o mais novo dancehall jamaicano com rap e vários ritmos/timbres da América Central, da metaleira das “bandas” mexicanas (como não sair pulando e com o cérebro mais inteligente ao ouvir os primeiros acordes de “Las chicas” em sua “version banda reggae”?). Sua ousadia serviu de exemplo para muitos rapazes (e moças) latino-americanos fazerem suas antropofagias particulares, gerando — em Porto Rico — a invenção do reggaeton, um dos estilos mais emblemáticos do século XXI.

El Général — 21 anos — tem história bem mais recente, e ninguém pode adivinhar as consequências propriamente artísticas que sua música vai ter, para além dos efeitos políticos já evidentes. Até o final do ano passado, como explicou Andy Morgan (que foi empresário da banda tuareg Tinariwen e hoje tem importante blog dedicado à world music), ele era figura escondida do terceiro escalão do rap tunisiano, por sua vez obscurecido internacionalmente pela maior criatividade do rap marroquino ou daquele feito pelos imigrantes árabes na França. O fato de também não ser contratado por nenhuma gravadora não teve a menor relevância para sua meteórica ascensão ao protagonismo político/pop planetário. Tudo o que El Général precisou foi de dois raps e uma conexão com a internet.

Em 7 de novembro de 2010 ele publicou o primeiro rap — “Presidente, seu país” — no YouTube, causando furor no Facebook e indo parar nas telas da al-Jazeera. Resultado: o governo tunisiano fechou sua página no Myspace e até emudeceu seu telefone. Tarde demais, pois a música já tinha
sido copiada milhares de vezes e era cantada nas ruas. Em dezembro, El Général encontrou uma maneira de subir para a internet outro rap, “Tunísia nosso país”, e no dia 6 de janeiro deste ano foi preso, passou três dias sendo interrogado pela polícia, e a reação popular foi tão forte que a polícia teve que soltá-lo. Nascia uma estrela, um herói nacional que logo virou internacional: seus raps foram cantados pelas massas da praça Tahrir, no Cairo, e hoje podem ser ouvidos em manifestações na Síria ou na Líbia. Poucas vezes outras músicas — a “Marselhesa”? a “Internacional”? — tiveram tanta importância política.

Enquanto escrevo sobre El Géneral, vejo o rosto de Kanye West, em fotografia de Karl Lagerfeld (conhecido como o tsar da moda, o chefão da Chanel), na capa da revista “VMAN”, irmã masculina da “Visionaire”, publicação que permanece central para o imaginário fashionista contemporâneo. Kanye é provavelmente o artista mais influente da música atual, influência que não fica restrita apenas ao ambiente musical. É também milionário, como muito outros rappers norteamericanos (o ex-aposentado
Jay Z, o recém-ex-presidiário Lil’ Wayne, ou mesmo a novata extraordinária Nicki Minaj), que hoje devem produzir a metade do PIB pop dos EUA.

Quem diria: o rap surgiu — sob influência caribenha — no Bronx, periferia miserável de Nova York, com todos os problemas sociais imagináveis. Era uma música barulhenta (“faz barulho aí!”), bastarda
(até hoje muita gente ainda questiona se é música), feita com colagens de músicas dos outros e até com o arranhar da agulha no vinil dos outros. Aquilo que era considerado algo bizarro, condenado como modismo passageiro, já tem mais de 30 anos e continua a nos surpreender, produzindo ao mesmo tempo grana e rebelião, megastatus quo e voz para todos os tipos de oprimidos, em qualquer lugar e língua. O rap não foi uma invenção da indústria fonográfica norte-americana, veio de fora e subjugou a indústria, que teve que passar a trabalhar para propagar ainda mais seu “vírus”. Ao que tudo indica, a indústria vai desaparecer e o rap vai ficar cada vez mais forte, rico.

Para isso é vital a capacidade do rap de se adaptar a cada realidade que encontra. Chegou ao Brasil e virou Racionais MCs, Bro MCs (rap indígena!), Cufa e funk carioca (eu estava do lado de Afrika Bambaataa quando ele chegou ao baile do Complexo do Alemão,
reconheceu seu filho e abriu largo sorriso); em Houston deu na desaceleração radical do DJ Screw; na Nova Zelândia fortaleceu a militância maori do King Kapisi; na Tanzânia foi dar pulos masais com o X-Plastaz; na Tunísia fez Hamad Ben Amor virar El Général. Qual o mistério do rap, meu querido D2? Essa onda que ele tira, qual é?

Os brasileirinhos

Os brasileirinhos. Aqueles que partiram cedo demais desta vida. Aqueles para os quais deveríamos estar construindo uma sociedade de paz. Aqueles que deveriam ter escolas seguras, com professores bem formados e com bons salários, com computadores e bons espaços para arte e esporte.

Aqueles brasileirinhos que choram seus irmãos, seus colegas, sem entenderem bem por que acontecem coisas como essas, por que se usa impunemente armas para entrar nas escolas. Os brasileirinhos que ouviram falar que a educação é fundamental, que eles são o futuro do Brasil. Aqueles brasileirinhos que sonhavam em ser jogadores de futebol, engenheiros, artistas, presidentes da republica.

Os brasileirinhos que se foram cedo demais, sem saber que se tenta construir um mundo melhor para eles, mas que o velho mundo pesa duramente sobre tudo e sobre todos. Principalmente sobre eles, sobre seus pais e suas mães, sobre seus colegas, seus professores e seus irmãos.

Aquelas mães e pais dos brasileirinhos, que faziam todo o esforço para tê-los acordados cedinho, com café com leite, pão e manteiga, uniforme e mochila, para chegarem a tempo na escola. Aquelas mães e pais dos brasileirinhos que faziam todo o esforço e o sacrifício para que eles pudessem ter o diploma profissional que eles não puderam ter.

Aqueles brasileirinhos que brincavam, estudavam, jogavam futebol, cantavam, sonhavam. Aqueles brasileirinhos que queriam ver a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Rio. Que queriam ver as favelas pacíficas, as escolas tranquilas, seus pais empregados, seus irmãos entrando na universidade.

Os brasileirinhos que se foram tão cedo. Que não puderam esperar pelo futuro que se supõe estamos construindo para eles. Que não tiveram oportunidade de se tornar jovens, adultos, de viver a plenitude da vida.

Os brasileirinhos que são a maioria da infância e da juventude do Brasil, mas não são centralmente contemplados pela mídia, discriminados e invisibilizados, salvo quando acontecem tragédias.

Enquanto todos nós não nos sentirmos brasileirinhos, com suas esperanças e suas fragilidades, com suas vontades e suas frustrações, seus sonhos e seus pesadelos, e lutarmos, junto com todos eles, brasileirinhos serão apenas os meninos pobres, despossuídos, carentes. Um Brasil para todos tem que ser, antes de tudo, um Brasil de todos os brasileirinhos.

Por Emir Sader

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A Escola deve ser espaço mais sagrado do que qualquer templo

Acordo muito cedo, levo minha filha pra escola, volto e por volta das 7 H retomo minha rotina. Sou educadora, aprendi a ser desde quando, no 1º ano da Universidade, entrei numa sala de aula de Educação de Adultos, depois em salas de 3º ano de Ensino Médio, e depois com crianças de 6º e 7º anos do Ensino Fundamental e, paralelamente, formando professores em diferentes cursos de formação mas, especialmente, na formação para a educação em direitos humanos, na educação para a igualdade étnico racial.
Educar é a minha vida, acredito que podemos educar em todos os espaços sociais (no mundo off line e no mundo on line).
Hoje, pela manhã, em Realengo, Rio de Janeiro, Wellington Menezes Oliveira conseguiu entrar armado na escola municipal Tasso da Silveira (de Ensino Fundamental),  e até o momento as notícias desencontradas das tevês e jornais informam que 11 crianças foram assassinadas com tiros na cabeça e abdômen.
O mundo inteiro se volta para o Brasil, para Realengo, para o Rio de Janeiro: Guardian, Le Figaro e La Nación, Al Jazeera, BBC, El País, La Reppublica e Wall Street Journal - ”A tragédia choca a sociedade brasileira, de orientaçao familiar e onde a violência contra crianças é rara”. Infelizmente, a violência contra as crianças e adolescentes não é rara no país. Existem diferentes formas de violência, adolescentes, meninos, negros são os mais vitimados. Uma pequena busca aqui no Blog mostrará alguns vídeos de policiais atirando em adolescente em Manaus, policiais espancando adolescente em Feira de Santana e tantas outras formas de se propagar a violência.
Professores exauridos, desestimulados cansam-se de denunciar a violência em várias escolas urbanas das periferias brasileiras: crianças e adolescentes expostos ao tráfico de drogas, alunos armados, roubos… Mas nada se compara ao que aconteceu nesta escola hoje. Uma escola de referência, pois tem uma política inclusiva, atende deficientes auditivos.
Na manhã de hoje a escola recebia ex-alunos para dar palestras em comemoração aos seus 40 anos. Segundo relatos de profissionais da escola de Realengo o ex- aluno, Wellington, aproveitou-se disso e se identificou como um dos palestrantes.
Não se tem ainda informações seguras sobre o que levou este jovem a matar 11 crianças de 12 a 14 anos (10 meninas e 1 menino) e ferir mais 29! Quanto a morte do atirador, a versão do sargento Alves, o primeiro a chegar na escola é de que o atirador foi baleado pelo sargento e após levar um tiro se matou.
Há uma imensa especulação na mídia televisiva e impressa sobre o perfil do atirador: desde que se tratava de um ‘extremista islâmico‘, de que era ‘filho adotivo’, ‘viciado em internet’, jovem de ‘poucos amigos’,  ’portador do HIV’…
Esse é um momento perigoso, onde empresas jornalísticas em busca de audiência exploram como podem esta imensa tragédia: islamismo, adoção, internet e portadores de HIV tornam-se explicações fáceis para nossas mentes bestificadas diante do absurdo que é crianças serem mortas dentro da escola.
Ouço na Record News o absurdo do apresentador João dizer que ataques como este é ‘normal’ no Oriente Médio! Tevês dizem que o atirador deu mais de 100 tiros! Como seria possível dar mais de 100 tiros se o atirador portava dois revolveres de calibre 38?  Como este jovem tinha tanta munição? Como conseguiu as armas? Como fomos capazes de dizer não ao desarmamento e sim ao comércio de armas?
Tento escrever este texto em busca de alguma organização mental, emocional. Sou mãe, educadora, não posso sequer imaginar a dor incomensurável desses pais que deixaram seus filhos na escola, porque é um espaço de saber, um espaço de formação, um espaço de cidadania, um direito das crianças e adolescentes frequentarem de modo seguro, um dever de governos proverem e uma obrigação constitucional dos pais enviarem seus filhos.
No meio de tantas especulações feitas pela imprensa, é preciso ressaltar o bom senso do prefeito Paes ao se pronunciar: não espalhou pânico, defendeu a escola como um espaço da comunidade.
A presidenta Dilma Rousseff fez um pronunciamento visivelmente emocionada em solidariedade às famílias e as crianças vitimadas.
A ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário sabiamente ressaltou que neste primeiro momento é preciso oferecer toda a solidariedade e apoio às crianças da escola e as famílias das vítimas e, ao mesmo tempo, lembrou à imprensa de sua responsabilidade, para que evitassem espetacularizar esta tragédia espalhando pânico entre as crianças. Rosário rememorou, por exemplo, como a imprensa explorou o caso da menina Isabela. Mesmo assim na Record News prosseguia insistindo no ‘argumento’ de que nos ‘demais países’ isso é ‘terrorismo’ e se não iremos tratar assim também! Como pode uma tevê propor esta abordagem sem qualquer investigação?
Como pode políticos oportunistas como o deputado Marcos Feliciano mais uma vez se aproveitar de uma tragédia sem precedentes no país pra espalhar seus dogmas equivocados, intolerantes, irresponsáveis e afirmar que tal tragédia é uma profecia divina pra castigar infiéis?
Gostaria imensamente que aprendêssemos como tragédias como estas. As escolas não devem virar prisões (algumas já têm este aspecto) elas devem ser espaços valorizados pelas comunidades, devem ser fortalecidas, queridas, abraçadas, nossas crianças efetivamente protegidas, tratadas com dignidade para que cresçam amando o conhecimento e diminuindo o grau de intolerância. Nossos profissionais da educação devem ser valorizados, porque é uma imensa responsabilidade e exige uma tremenda formação profissional formar futuros cidadãos.
Que esta tragédia não sirva para os oportunistas de sempre pregarem mais e mais intolerância. Que possamos aprender com Hannah Arendt a lição maior da autoridade: o mundo adulto é responsável pelas gerações futuras. Não fujamos de nossas obrigações. Isso significa que todo adulto deve ser responsável por qualquer criança. Isso significa, por exemplo, olharmos para além dos nossos umbigos, de nossas crias, de nossos alunos, isso exige de nós um compromisso maior e real com políticas públicas que sejam capazes de incluir, educar, prover de espaços culturais e de lazer, formar e amar todas as nossas crianças. Elas merecem um futuro melhor que balas na cabeça em seu espaço escolar.


Por que os EUA devem aumentar a taxação dos ricos




A imensa maioria dos estadunidenses não pode arcar com mais pagamentos de impostos. A despeito da economia ser hoje duas vezes maior que há trinta anos, 90% dos mais pobres estão chafurdando na lama. A distribuição da renda nacional sofreu declínio, mas a carga tributária sobre a classe média aumentou. Hoje, os contribuintes das classes trabalhadoras e média estão arcando com uma vasta parcela de seus salários em pagamentos de imposto de renda, sobre circulação e propriedade. É exatamente o oposto do que se passa com os super ricos. O artigo é de Robert Reich.

É hora de impostos. E também o é quando a direita republicana está lançando a agenda pelo corte massivo de gastos, que atingirá muitos estadunidenses.

Aqui está a verdade: o único modo de os EUA reduzirem o déficit fiscal de longo prazo, manter os serviços públicos fundamentais, o Social Security e o Medicare, investir mais em educação e infraestrutura e não aumentar os impostos da classe média trabalhadora é aumentando a taxação dos super ricos.

Mesmo se nos livrarmos dos subsídios do bem-estar das corporações ligadas ao petróleo, ao agronegócio e à indústria farmacêutica – até mesmo se cortarmos o nosso inchado orçamento de defesa – não seria nem próximo do necessário.

A imensa maioria dos estadunidenses não pode arcar com mais pagamentos de impostos. A despeito da economia ser hoje duas vezes maior que há trinta anos, 90% dos mais pobres estão chafurdando na lama. Se estivessem empregados, estariam ganhando apenas algo como 280 dólares a mais do que há trinta anos, considerando a inflação do período. Isso é menos do que 1% de ganho em mais de um terço de século. (As famílias estão de certa forma melhores, mas só porque muitas delas hoje têm de contar com duas rendas).

A distribuição da renda nacional sofreu declínio, mas a carga tributária sobre a classe média aumentou. Hoje, os contribuintes das classes trabalhadoras e média estão arcando com uma vasta parcela de seus salários em pagamentos de imposto de renda, sobre circulação e propriedade, maior do que há trinta anos.

É exatamente o oposto do que se passa com os super ricos. A participação dos 1% mais ricos na renda nacional dobrou ao longo das últimas três décadas (de 10% em 1981 para bem mais de 20%, hoje). Um décimo dos 1% mais ricos triplicou de renda. E vão melhores do que nunca. De acordo com uma análise recente do Wall Street Journal, o total do volume de negócios entre os bancos de Wall Street e as firmas de seguros bateu recorde em 2010 – 135 bilhões de dólares. Isso representa um crescimento de 5,7% sobre o valor negociado em 2009. Ainda assim, notavelmente, a taxação sobre os mais ricos despencou. De 1940 a 1980, o percentual de contribuição do imposto de renda dos mais rico era de no mínimo 70%. Nos anos 50, era de 91%. Hoje, é de 35%. Mesmo se você contar com as deduções e os créditos, os ricos hoje estão pagando muitíssimo menos de sua renda do que jamais pagaram, desde a Segunda Guerra.

O imposto sobre herança (que só conseguiu chegar a 2%) também foi cortado. Em 2000, era de 55% e cobrado em caso de patrimônio avaliado acima de 1 milhão de dólares. Hoje, este percentual é de 35% e só é cobrado em caso de patrimônio superior a 5 milhões de dólares. Os ganhos de capital – que compreendem a maior parte da renda dos super ricos – eram taxados em 35% no fim dos anos 80. Hoje são taxados em 15%.

Se os ricos fossem taxados da mesma maneira que eram há meio século, estariam pagando mais de 350 bilhões a mais só neste ano, o que se traduz em trilhões na próxima década. É o suficiente para financiar todas as necessidades da nação, enquanto se reduz déficits futuros.

Se também cortarmos os custos do que também não precisamos (o bem-estar corporativo e o orçamento militar inchado), os impostos poderiam ser reduzidos para todos os que ganhassem menos de 80 mil dólares por mês, também. E com um sistema de assistência em saúde de pagador único – Medicare para todos -, em vez de um amontoado de planos de saúde voltados ao lucro, a nação poderia economizar mais bilhões.

Sim, os ricos encontrarão maneiras de evitar o pagamento de mais impostos, graças a contadores espertos e a advogados tributaristas. Mas isso sempre foi assim, independentemente de quem paga o imposto. É por isso que o governo deveria pensar grande. (Durante os anos 50, quando a carga tributária dos mais ricos era de 91%, os ricos usavam de brechas e deduções como uma maneira prática de reduzir a carga tributária para 50 a 60% - uma quantia substancial para os padrões de hoje, ainda). E, sim, alguns dos super ricos levarão seu dinheiro para as Ilhas Cayman e outros paraísos fiscais. Mas pagar tributos é uma obrigação central para a cidadania, e aqueles que evadem divisas num esforço de sonegação de impostos estadunidenses deveriam perder a cidadania dos EUA.

Mas os super ricos não têm poder suficiente para cessar qualquer tentativa de fazê-los pagar a parte que lhes cabe? Só se permitirmos. E aqui está a questão a respeito da qual os progressistas e populistas, à esquerda e à direita, trabalhadores sindicalizados e todos os outros trabalhadores devem claramente se unificar. Além disso, a razão pela qual temos um democrata na Casa Branca – na verdade, a razão porque de resto temos um partido democrata – é tentar reequilibrar a economia exatamente nesse sentido.

Tudo o que o presidente tem a fazer é conectar os pontos – a explosão da renda e da riqueza dos super ricos estadunidenses, a queda dramática das suas obrigações tributárias, o consequente arrocho orçamentário devastador de Washington e nos estados federados, e o corte nos serviços públicos vitais à classe média e aos pobres.

Isso não deveria ser difícil. Muitos estadunidenses estão se dando conta. A estas alturas eles sabem que a teoria econômica do gotejamento é uma mentira. E todos sentem que o jogo está a favor dos multimilionários e bilionários, e de suas corporações, que atualmente pagam uma ninharia em tributos.

Além do mais, o Presidente tem o púlpito. Mas ele vai usá-lo?

(*) Robert Reich é professor de Políticas Públicas na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Trabalhou em três governos federais estadunidenses, e mais recentemente foi secretário do trabalho do presidente Bill Clinton. Escreveu doze livros, incluindo The Work of Nations, Locked in the Cabinet, e seu mais recente livro, Supercapitalism.

Tradução: Katarina Peixoto


Fonte: Artigos de Robert Reich no site Common Dreamns

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Atoleiro racista

Quem acha que a liberdade de expressão permite manifestações como as do deputado Jair Bolsonaro também é cúmplice do crime, afirma pesquisadora

Roseli Fischmann
A indignação que varre o País, e não encontra adjetivos suficientemente adequados para se expressar, como reação às falas do deputado Jair Bolsonaro, tem como base o mesmo posicionamento histórico que levou a Constituição de 1988 a incorporar, em seu artigo 5º, o racismo como crime inafiançável e imprescritível.
bolsonaro_edFerreiraAE
As tentativas de burlar a lei, tentando encontrar justificativa para o injustificável, seja por parte de Bolsonaro, afundando cada vez mais em seu mar de posturas discriminatórias, seja por parte dos que o apoiam, indicam a persistência do racismo.
À pergunta sobre qual seria sua reação, se seu filho se apaixonasse por uma negra, Bolsonaro disse: "Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco e meus filhos foram muito bem educados. E não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu."
Sua resposta foi expressão de racismo? Sim. Impossível tergiversar que a atribuição de um (des)qualificativo como "promíscua" foi feita de forma extensiva a todas as mulheres negras e não apenas a quem se dirigiu a ele. Preta não perguntou a reação do deputado a uma possível paixão do filho dele por ela; era uma pergunta ampla, geral, tratando de uma mulher negra indefinida. Toda e qualquer mulher negra.
A resposta do deputado acentua o racismo, ao associar o termo promiscuidade ao que para ele é a raiz da mesma: "ambiente como lamentavelmente é o teu". Essa fala indica sua intenção de abranger, para além daquela particular mulher negra que o indagava, todos os negros - homens, mulheres, crianças, idosos, jovens.
A entrevista ao CQC apresenta "exemplos de manual" do que Theodor Adorno qualificou como "personalidade autoritária", na qual a ofensa a Preta Gil significou a prova irrefutável dessa classificação. A continuidade da matéria, em suas manifestações sobre "lixar-se" para a comunidade LGBTT, é a derradeira prova dos nove da postura discriminatória que, além de autoritária, também se enquadra como violação da Constituição.
A tendência a generalizar de forma imprópria, a considerar inferiores categorias de seres humanos que venha a eleger como tais, a despersonalizar, a negar a pluralidade humana, são traços da personalidade autoritária que apoia golpes e sustenta totalitarismos. As vozes que se levantaram em sua defesa indicam o perigo que se abriga nesse tipo de atitude. Nas respostas ao CQC, o deputado não deixou dúvidas sobre sua atitude de apoio à ditadura.
O que está em jogo é não apenas a defesa de vítimas do racismo, mas também a cidadania e a democracia, cuja base é o respeito a todos e todas, por sua igual dignidade, igual direito à liberdade de ser plenamente humano. A hierarquização e o desprezo moral que a fala do deputado expressa são inaceitáveis em uma democracia. Foi esse tipo de atitude que esteve presente na política do Estado nazista que determinou a morte de milhões de judeus, romas (ciganos), homossexuais, pessoas com deficiências e, depois, adversários do regime.
São diversos os níveis de gravidade que o deputado sinalizou: "meus filhos foram muito bem educados". Qual a mensagem que essa fala, e o que se fará dela, transmite à juventude, às crianças e a toda a população? Porque o poder educativo da mídia é indiscutível, como o poder educativo do Poder Judiciário, ao aplicar a lei - que atitude se tomará? O próprio Poder Legislativo é também chamado à arena, para dizer como reagirá já que se trata, por assim dizer, de um dos seus.
A ideia de que a liberdade de expressão garantiria esse tipo de manifestação é cúmplice desse racismo, e igualmente criminosa. Quem tiver dúvida deve consultar o histórico processo julgado pelo STF no qual foi condenado Ellwanger por racismo, o parecer como amicus curiae, de Celso Lafer, e o Daniel Sarmento de Livres e Iguais. Os estudos jurídicos sobre os discursos de ódio ensinam que, no conflito entre duas liberdades distintas, vence aquela que não prejudique a presença de qualquer cidadão no campo democrático.
O discurso de ódio impede a presença da vítima, que pode se recolher, humilhada e ofendida, se o Estado não acudir em sua defesa. Ou, como ensina Richard Dworkin, pode a vítima, individual ou coletivamente, movimentar-se no uso do direito à insurgência se perceber que o Estado a despreza tanto quanto o racista que a insultou - o que comprometerá a paz social que a democracia busca.
ROSELI FISCHMANN É COORDENADORA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO, MEMBRO DO COMITÊ CIENTÍFICO DA COALIZÃO UNESCO DE CIDADES CONTRA O RACISMO E PESQUISADORA DO CNPQ
Fonte: Estadão


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domingo, 3 de abril de 2011

A guerra na Líbia e as armas que restam a Kadafi


A partida que está sendo jogada na Líbia é decisiva. E quanto mais Kadafi “resiste”, mais crescem os riscos. Tudo leva a crer que o coronel, mesmo que esteja se revelando um osso muito mais duro de roer do que Mubarak e Ben Ali, seja queimado. Mas ele sabe bem que a Líbia é um país diferente da Tunísia e do Egito – exército fraco, partidos políticos e sociedade civil inexistente, estrutura tribal forte – e tem, da sua parte, três armas poderosas para usar. O petróleo, a ameaça do recurso (ou do retorno) ao terrorismo e a imigração em massa em direção à “Fortaleza Europa” – da qual pode reabrir as torneiras. O artigo é de Maurizio Matteuzzi.

Il Manifesto

Quem vê a Praça Verde de Trípoli, com suas marcas ainda visíveis do império turco-otomano e da posterior dominação colonial do fascismo italiano, ocupada dia e noite pelos rumorosos apoiadores de Kadafi com seus posters do Coronel e bandeiras verdes (e não raro kalashnikovs), pode acreditar que na Líbia não há oposição. Ou que a oposição é apenas, como os porta-vozes do governo libanês não cansam de repetir aos incrédulos jornalistas estrangeiros que cobrem a guerra desde a capital da Jamahiriya, uma insignificante minoria de “traidores” concentrada no leste do país – a indócil Cirenaica, baluarte do Islã militante dos “Irmãos Muçulmanos” e da fraternidade senussita do rei Idriss, o fantoche elevado ao trono pelos ingleses e derrubado pelo golpe branco dos 12 “oficiais livres” em 1969 – e manobrada por uma “conspiração” do Ocidente (sobretudo Estados Unidos, França e Inglaterra) que gostaria de transformar Bengazi em um “Emirado islâmico” na margem meridional do Mar Mediterrâneo, a dois passos da “Fortaleza Europa”. Uma aliança perversa e aparentemente “impossível”, mas já experimentada mesmo recentemente (o Afeganistão invadido pelos soviéticos, a guerra da Bósnia...).

Naturalmente, a imagem que se faz da Líbia a partir da Praça Verde – ou mesmo de Trípoli, onde Kadafi conserva um apoio popular aparentemente sólido – é muito limitada e parcial para explicar as razões profundas de uma revolta que se transformou rapidamente em uma guerra civil e a seguir em uma (nova) “guerra humanitária” em escala internacional (para Kadafi, uma “cruzada colonialista”), a quarta proclamada pelo Ocidente no vintênio seguinte ao fim oficial da “guerra fria” (duas no Iraque, Somália, Afeganistão).

A Líbia deve o seu nome aos gregos, que assim chamaram todas as terras conhecidas a oeste do Egito. Nome que foi exumado somente em 1934 quando o governo fascista italiano decidiu unificar as três províncias da Tripolitânia, do Fezzan e da Cirenaica. Foi sempre uma terra de conquista, mas muito dura de conquistar, e sempre um lugar estratégico, mesmo antes que, no início dos anos 50, fosse descoberto o petróleo. Um monte (antes da guerra de fevereiro, produzia 1,6 bilhões de barris por dia, tendo as maiores reservas comprovadas da África).

A Líbia, o quarto maior país da África, é o divisor de águas entre o Magreb, o Ocidente árabe que começa no Marrocos, e o Mashreq, o Oriente árabe que chega até a Síria. A linha imaginária de fronteira corta a Líbia em duas e corresponde, grosso modo, à Tripolitânia a oeste (com o Fezzan ao sul) e a Cirenaica a leste. As duas regiões em guerra desde 17 de fevereiro último, que poderiam corresponder a dois novos países. O tabu da intangibilidade das fronteiras da África, traçadas o mais das vezes arbitrariamente pelo colonialismo, já foi derrubado em 93 com a secessão da Eritréia da Etiópia e, agora, com a do Sudão do Sul do Sudão. A Líbia poderia ir atrás. Por enquanto, é ainda “fanta-política”. Amanhã, sabe-se lá.

É uma das hipóteses entre as tantas que se manejam nestas horas em que não se vê ainda uma solução plausível para o conflito e “a coalizão dos de boa vontade” [“la coalizione dei volenterosi”] está dividida sobre tudo.
Dividida sobre o comando das operações (França? Estados Unidos? Otan?), sobre os objetivos finais (apoio incondicionado aos rebeldes “pro-democracy” de Bengazi? Mas e se no fim não fossem todos assim tão “pro-democracy” ou todos “facebook boys” e se confirmassem os temores da inteligência dos EUA que lembra que o leste da Líbia é a região que, de todo o mundo árabe-islâmico, mandou mais “jihadistas” e kamikazes ao Iraque e ao Afeganistão?), sobre a “exit strategy” (uma solução apenas militar a encerrar-se não com um possível exílio, mas com o “regime change” e a eliminação física de Kadafi? Uma solução política, mas a ser inventada, como recomendam os BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China –, Turquia, Alemanha e a constrangidíssima Itália de Berlusconi?).

A Itália, desde sempre parceira privilegiada da Líbia de Kadafi, é aquela que provavelmente levará a pior. Em 2008, Berlusconi tinha finalmente encerrado o contencioso entre os dois países recebendo Kadafi em Roma, com pompa e circunstância, depois da assinatura de um acordo que garantia, de um lado, desculpas e indenizações pelas atrocidades cometidas pelos italianos nas três décadas de colonização (1911-1942) e, de outro, o fornecimento de petróleo (a Líbia abastece 26% da demanda energética italiana) e a promessa de Kadafi de interromper (com todos os meios, até os mais brutais e desumanos) a corrida migratória dos “boat-people” do Magreb e da África subsaariana em direção à Itália.

A Líbia está espremida entre a Tunísia a ocidente e o Egito a oriente. É claro que o “vento do Magreb” partido de Tunis em dezembro, que sopra também sobre o Marrocos e a Argélia e que se abateu como um furacão sobre o Cairo em janeiro, tendo varrido o estorvo de velhos entulhos em ligação direta com os Estados Unidos (e Israel) como Ben Ali e Mubarak, chegaria também à Líbia, onde também o “Qaid” (o Guia) Muammar Kadafi esbanja, há 42 anos, um poder absoluto impossível de esconder atrás do véu do suposto “poder das massas” anunciado no “Livro Verde”.

O vento partido do Magreb ultrapassou o Magreb e ergueu uma onda que seguiu e seguirá adiante, mesmo que não esteja ainda claro em que praia acabará por depositar-se. Nem se será um tsunami ou apenas uma marolinha suficiente para misturar um pouco as cartas, mas deixando-as nas mãos dos mesmos de sempre depois de alguma forma de “maquiagem democrática”. O Iêmen (que será o próximo elo na cadeia a ceder), o Bahrein (espremido entre a Arábia Saudita e o Irã, salvo por enquanto pelo contingente militar saudita, uma “ajuda fraterna” que não suscitou nenhum protesto “humanitário” do Ocidente, e sobretudo pelo fato de ser a sede da V frota dos EUA), a Síria da dinastia Assad, a frágil Jordânia e o fragilíssimo Líbano, o Iraque da guerra inacabada, a Arábia Saudita (gigante dos pés de argila, grande exportador de petróleo para os Estados Unidos e de “jihad”, a guerra santa islâmica, contra os Estados Unidos), e as petro-monarquias do Golfo (pequenos estados petrolíferos e paraísos financeiros, em geral inventados e presenteados pelo colonialismo, de base familiar e tribal). Até a Palestina, ocupada e violentada por Israel no silêncio culposo do Ocidente (que busca encontrar a força para lançar a terceira Intifada) e a própria Israel, lançada em uma deriva irrefreável de extrema direita (que observa silenciosa e desconfiada a queda como pinos de boliche dos “inimigos” árabes que lhe garantiam o status quo e esquenta os motores para o seu verdadeiro objetivo, o Irã). Ninguém pode se dizer protegido do vento do Magreb.

É por isto que a partida que está sendo jogada na Líbia é decisiva. E quanto mais Kadafi “resiste”, mais crescem os riscos.

Tudo leva a crer que o coronel, mesmo que esteja se revelando um osso muito mais duro de roer do que Mubarak e Ben Ali, seja queimado. Mas ele sabe bem que a Líbia é um país diferente da Tunísia e do Egito – exército fraco, partidos políticos e sociedade civil inexistente, estrutura tribal forte – e tem, da sua parte, três armas poderosas para usar. O petróleo, a ameaça do recurso (ou do retorno) ao terrorismo, a imigração em massa em direção à “Fortaleza Europa” – da qual pode reabrir as torneiras.

A “guerra humanitária” – para “proteger a vida de civis”, para “exportar a democracia” (de novo!) e para meter as mãos no petróleo libanês, 75% do qual está na Cirenaica “liberada” pelos rebeldes – que os Estados Unidos, França e Inglaterra deflagraram contra Kadafi não vai parar. Mesmo que seja uma “guerra humanitária” com uma cobertura da ONU e da OTAN apressada demais e voltada “ad personam” para conferir-lhe alguma legalidade (por que Kadafi sim e não o Iêmen, o Bahrein ou a Costa do Marfim com o seu milhão de civis em fuga do conflito entre os dois presidentes Gbabo e Ouattara?).

Kadafi, com toda probabilidade, está queimado, mas a partida que se joga na Líbia não acabou ainda. O seu resultado final determinará a verdadeira dimensão daquela que foi chamada “a primavera árabe”.

Em jogo não estão apenas as reeleições de Sarkozy e Obama – o Nobel da paz que já tem nas costas duas guerras em andamento, uma na qual promoveu uma espetacular escalada e outra começada por ele, sem contar o golpe de 2009 em Honduras – mas o futuro arranjo da área provavelmente mais estratégica do mundo, pelo menos enquanto não acabar o petróleo e for o teatro do encontro-confronto da civilização com o Islã.

Tradução: Rodrigo Torres Guedes